quarta-feira, 3 de março de 2010

Enquanto isso, na escadaria de um poleiro


Subindo os largos lances da escada até meu canto escuro, afinal elevadores pequenos são o máximo de qualquer fobia, fora a nítida impressão de que um cairá quanto estiver alcançando o pico da minha viagem, me assusta, mas subindo os degraus, percebi como ridícula é esta construção que alguns chamam de prédio, eu gostaria de chamar aqui de poleiro.

Como a caminhada é até que longa e este esforço físico sempre é maior que meus exercícios diários, que são me movimentar do quarto para o banheiro, do mesmo até a sala e ficar, por fim, numa única trajetória, banheiro/sala, e que por sinal não são muitas, ou seja, meu cansaço era incrível (tenho que passear mais) e a demora no trajeto, inevitável. Lógico, esta poluição de algumas fumaças não atrapalha em nada nestas horas.

Assim, devido ao vasto tempo que me sobra das poucas atividades não caseiras, meu tempo para subir aqueles lances eram suficientes para ficar me questionando: ‘Afinal, quem mora neste lugar?’
Passo dias aqui sem encontrar uma pessoa pelos corredores, ninguém a minha volta faz barulho, a única coisa que sinto é um cheiro insuportável de um delicioso temperado das refeições do 503, afinal, nem o nome da pessoa eu sei.

E é assim, como se cada pessoa pousasse no seu cômodo e ali, sem tropeçar em ninguém, entrava do lado de alguém, em cima de alguém, em baixo de alguém... Assim que parece, chego do meu vôo, pego meu canto e espero só a pessoa de cima cagar na minha cabeça, a de baixo, reclamar dos meus pés, e as do lado piarem um pouco. 
Ai que fica tudo estranho, os do lado não piam, ficam a comer e dormir, fora um canto matutino, mas ninguém pia. São quietos demais, e qualquer barulho que faço parece que incomoda os senhores meus vizinhos.

Mas nem tanto barulho faço, minhas asas são curtas e assim o barulho que elas produzem são de uma freqüência que não atrapalha muito, mas e os meus temperos? Será que estes não instigam o morador do 501?
Acho que tenho que os conhecer, é, mas virar o bico pra piar com estranhos, hoje em dia, é perigoso. Estes que voam parecem predadores que não gostam de companhia, todos pequenos caçadores solitários.

Pelo medo de furtarem minha caça, tenho que me cuidar, já minhas asas são pequenas, fácil para um me pegar pelo rabo e assim ser privado de voar por ai, e tudo isso por causa de um tempero? Melhor não!

E assim continuarei pensando que, nem os próximos do meu canto me conhecendo, melhor estarei. Um dia, se preciso, algum companheiro de espécie conhecerei, ah, que seja uma bela fêmea, uma bela companheira de vôos solitários, mas que ela pousasse sem me incomodar e assim eu com ela.
Assim chego à porta de meu ninho após cinco andares desta casa de joão-de-barro, cansado, exausto, minha viagem finalmente chega ao fim. Ah! Amanhã é dia de mais uma, será que atrapalharei o vôo de algum e assim piaremos um pouco? Que seja uma fêmea.

Um comentário:

Juliane Fagotti disse...

A do 501 é uma fêmea! Um senhora de sorriso fácil, bem simpática. Conheci ela no elevador. Disse que mora há muitos anos por aí (se não me engano, eram mais de 30, mas minha memória não é confiável) e que é um lugar maravilhoso pra se morar, não há incomodação. Talvez o que ela quis dizer com isso é que os vizinhos não piam muito e isso lhe agrada haha
Acho que é ela quem deixa a televisão o dia inteiro ligada, que dá pra ouvir do teu banheiro. Provavelmente como companhia, ou para preencher o silêncio da falta de pios :)
Ah, sim, antes que eu me esqueça, ela terminou com uma singela pergunta: "Você está visitando alguém?" e eu, deveras empolgada com a simpatia dela: "estou sim! vim passar uns dias na casa de um amigo, do 503"
Aí a porta do elevador abriu ao mesmo tempo em que o sorriso fechou e ela se despediu como tantas outras senhoras não-tão-simpáticas. Juro que fiquei sem entender.

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